A Inquisição de Goa, vista por Raul Rêgo

Estiveram em Goa, de regresso da Coreia do Sul, o Sr. Dr. Raul Rego e o nosso conterrâneo Dr. Narana Coissoró, Deputados à Assembleia Nacional de Portugal.

A pedido do Instituto Menezes Bragança, proferiu uma palestra o dr. Raul Rêgo, sobre a Inquisição de Goa, talvez tema da sua predilecção, porque sempre a veio pondo em paralelo com a sua inquisição política, e sobre o qual tem já várias publicações.

A Inquisição, como é sabido de todos, teve o seu tribunal em alguns países, na Idade Média, e nos tempos modernos, ou para ‘perseguir’ou ‘inquirir e punir’ou ‘curar’os hereges, conforme dizem vários historiadores. Estabelecido primeiro em França, no século XII, e solicitado por D. João III e Raínha D. Catarina, sua esposa, chegou a Portugal em 1536.

Mas foi a instâncias, entre outras, do Padre Francisco Xavier, o maior missionário das Índias Orientais e então Superior da Sociedade de Jesus no Oriente, e do seu colega Simão Rodrigues de Azevedo, que se concebeu a ideia de abrir um Tribunal de Inquisição em Goa. E fê-lo o Rei em 1560, oito anos após a morte em Sanchão do Apóstolo das Índias, com a chegada de dois padres seculares, Aleixo Dias Falcão e Francisco Marques Botelho, os primeiros inquisidores.

Era um tribunal que constava de Religiosos da Ordem Dominicana e também de algumas autoridades civis (que mais tarde o usaram para seus fins). Situava-se no célebre Palácio da Inquisição ou do Sabaio, antiga residência dos vice-reis, na Velha Cidade de Goa, ao pé da Catedral, à frente da Casa do Senado, tendo depois passado a funcionar no Palácio do Idalcão (Vhoddlem Ghor) na Rua Direita, por ordem do Marquês de Pombal, que, tendo reduzido consideravelmente o poder do Santo Ofício, fê-lo instrumento da Coroa. Em Portugal, extinguira-se em 1769, para voltar, talvez com mais vigor ainda, em 1777, e foi abolida finalmente em 1812.

Disse o dr. Rego que, de entre os tribunais de Lisboa, Coimbra, Évora, Lamego e Tomar, foi mais ‘cruel e nojento’ o de Goa, que abarcava na sua jurisdição todas as províncias do Oriente, desde o Cabo da Boa Esperança até o Japão e Macau. Explicou que os acusados eram severamente punidos, encarcerados, e, depois, ou condenados à prisão perpétua, ou queimados. E acrescentou que haviam sido presas por à volta de 16.000 pessoas, de 1560 a 1774. O arcebispo e o seu vigário-geral, bem como o governador, estavam isentos do mesmo, senão com prévia autorização da Corte e do Conselho Geral de Lisboa, informa-nos um historiador goês.

O dr. Rego referiu-se a Charles Dellon, médico francês que, vítima da Inquisição em Goa, defendeu-se (permitia-se aos acusados escrever as suas defesas) e depois descreveu-a na sua Relation de l’Inquisition de Goa, publicada em Paris, em 1622, e traduzida em várias línguas (trad. port. do goês M. V. de Abreu).

Informou o orador que fora com essa obra que vieram à luz muitos dos ‘segredos’da Inquisição de Goa, que por isso ficara completamente envergonhada, sendo depois abolida em 1774. Aludiu também a La Voyage de F. P. L. aux Indes Orientales, Moluccas et Brazil, de François Pyrard de Laval, também medico francês, que, quando em digressão pela Índia, sofreu as torturas da Inquisição em Cochim, como suspeito dela, e fora preso por dois anos, em Goa.

Mas, por outro lado, parece-nos algo subjectivos os relatos que até hoje se fizeram deste, hoje infame, instituição, tanto porque nos falta a documentação da época (que alguns historiadores crêem estar em Londres ou em Paris, se é que não foram queimados ou vendidos em hasta pública) como porque hoje se faz obra, na maior parte, pelos relatos das próprias vítimas, cujo critério não deve ser por isso muito seguro. Levados pela emoção não teriam sacrificado algumas verdades?

Mas, voltando à palestra: o dr. Raul Rego, jornalista e escritor, homem da História e da Política, falou tão emocionantemente acerca de Garcia de Orta, médico e naturalista, “que mais sofreu às mãos da Inquisição”, como falou também de António Sérgio de Sousa, que por sua vez mais sofreu na inquisição do regime ditatorial de Salazar.

Assim, foi tão bom autor das obras sobre a Inquisição como inquisidor das obras do Ditador!

(Nótulas: 'A Inquisição de Goa', in A Voz de Goa, Pangim, Ano I, N.º 34, 27 de Outubro de 1983)

Foto: Mesa do Tribunal da Inquisição, hoje pertença do Instituto Menezes Bragança (Goa: Aparanta – Land beyond the End, ed. Victor Rangel-Ribeiro. Vasco da Gama: Goa Publications, 2008)


Our Honoured Guest

The directive from the Union Home Ministry to give the loving last Portuguese Governor-General, General Manuel Antonio Vassalo e Silva, a “warm welcome” and a “foreign dignitary VIP treatment” is to be admired as the Government showed their love and respect to that person who earlier pictured his fine sensibilities to Goans whom he so dearly loves.

But, at the same time, there seemed to be a few of our own people who although owing so much to Gen. Vassalo tried to misunderstand the Government: A “warm welcome” (the Government’s call) doesn’t only mean giving a beautiful bouquet of flowers to the visitor at the airport but still more, it emphasizes the need for a good treatment during his stay in this place.

Although all plans for a “warm welcome” were made well in anticipation by our Speaker, Mr Froilano Machado, there was something unhappy awaiting Gen. Silva at the Azad Maidan, when he went there to place a wreath at the Martyrs’ Memorial, much to the surprise and dislike of hundreds of Goans worthy of Mr Silva’s kindness: it was a dharna, a protest with black flags against the ex-Portuguese Governor-General’s visit to Goa; he who did so much good for us Goans. That should not even have been thought of because Gen. Silva was invited by Goans who intend to manifest their love and gratitude towards him. Secondly, what has Mr Silva to do with the integration of Goa into the Indian Union? Is Mr Silva responsible for Salazar’s misdeeds?

On the other hand, if any Goan had to open his heart and say something genuine against the Portuguese he would have done so or should have done so by approaching Gen. Silva in a very gentlemanly manner and not by what we witnessed at the Azad Maidan. This sort of behaviour from the Goans who are known for their non-aggressiveness and kindness is unthinkable.

Keeping aside the misbehaviour of a handful of people, I would like to mention that there were many also who openly showed their consideration for the Portuguese: one was an aged woman who respectfully wished the popular ex-Governor-General who then spoke very emotionally to her. A few steps further, some others waited to salute and talk to the octogenarian, who recalled his good old days with them in Goa.

We congratulate Gen. Vassalo e Silva who gave out the truth that Salazar didn’t ask him to destroy but to “defend it to the last”. This will remove the misconceptions about the affair.

Kudos to the editorial which has described Gen. Silva very well as a man to whom we ought to be grateful.

(Letter to the editor, The Navhind Times, Panjim, 12 June 1980, p. 2)