ManoharRai SarDessai (1925-2006) foi professor de Francês nas universidades de Bombaim e Goa; editor de vários periódicos literários; presidente da conferência pan-indiana do Concani; tradutor de obras literárias e históricas; mas, acima de tudo, um dos maiores e mais queridos poetas da língua concani, graças à elegância da sua linguagem e à relevância dos temas que tratava.

SarDessai é tanto goês como cosmopolita, tanto príncipe quanto homem do povo. Nas suas palavras, ‘Hanv Gõycho ani Gõyam bhailo, udenticho ani ostomtecho: Sou de Goa e do além; sou do Leste e do Oeste’.

A sua poesia tem a toada da palavra falada. Foi, sem dúvida, feliz a sua ideia de passar a escrever em concani, sua língua materna além de lngua da terra, quando, aliás, a comunidade hindu prezava o marata como a sua língua de cultura.

Afirma o Poeta Madhav Borcar que a poesia de SarDessai divide-se em dois períodos: pré- e pós-1961, sendo este o ano da integração de Goa na União Indiana.[i] Neste período foi um dos responsáveis, junto com R. V. Pandit e C. F. Costa, por lançar as raízes da nova poesia concani.

Goyãm, tujea moga khatir [Por teu amor, ó Goa!] (1961) abarca, principalmente, a poesia que escreveu durante a estadia na França (1952-58).[ii] Fala com saudade das vozes e paisagens da terra natal e das alegrias e tristezas da vida campestre. Não admira que o seu lirismo tenha atraído a geração contemporânea de literatos.

Regressando de vez a Goa, teve várias intervenções na vida pública. O seu livro Zaiat Zage (1964) é uma forte expressão do seu sentido cívico.[iii]

É particularmente memorável a sua intervenção no destino político da sua terra aquando do histórico Opinion Poll (escrutínio da opinião), realizado em 1967: pôs todo o seu peso a favor da autonomia de Goa contra os planos integracionistas do estado vizinho do Maharashtra. Alguns dos seus mais patrióticos poemas datam desse período, altura em que eles estavam sempre nos lábios da gente.[iv]

SarDessai dirige-se ao grande público com facilidade, graças ao seu dom das línguas: exprime-se em concani, marata, francês e inglês, às vezes, traduzindo ele próprio os seus poemas. Mais significativo, porém, é o Poeta se ter tornado acessível ao público goês, a partir do ano de 1961, pois a escolha do alfabeto e a multiplicidade de dialectos os dividia. Fez questão de escrever em caracteres latinos e devanagáricos, construindo uma ponte entre os falares das comunidades hindu e cristã – como que uma língua franca.

Os poemetos de Zaiô Zuiô [Jasmim] (1970) e Pissolim [Borboletas] (1978) são caracterizados pela economia e precisão vocabular (cinco a sete versos). Ao segundo livro de poesia foi atribuído o Prémio da Sahitya Akademi (Academia indiana de Letras), em 1980.

SarDessai escreveu também poesia para crianças, sendo ‘Bebeanchem Kazar’ [O casamento dos sapos] o seu poema mais popular, pela rima e ritmo.

De igual modo, produziu poemas de louvor a Jesus e Maria. [v]

Os três poemas incluídos neste artigo falam do seu amor à terra e da sua filosofia da vida[vi] Na ‘Oração’, diz com toda humildade: ‘Que a minha aldeia se orgulhe/dos meus feitos, do meu nome,/ tanto basta para mim,/não almejo outro renome.’ Colheu, porém, muito mais: além da afeição do povo, os epítetos Lok Kovi[vii] (Poeta do Povo) e Konknni Kovirai[viii] (Príncipe dos Poetas concanis).

Gõycho Ambo

Gõycho ambo
Mhonva thembo
Gõychea polear
Bhangra tibo.

Gõychea ambeant
Chandnem asa
Suriachem kirnn asa
Amchea mogall zomnintlea
Amrutacho kollso asa
Zaia-zuiam poros dhatt
Gõychea ambeak ghomghomat
Bhurgeachea galaporos
Gõycho ambo rosroxit
Vhonklechea onttaporos
Gõycho ambo lusluxit
Halot, dholot, lozot, moddot
Pachvo podor angar gheta
Sotravem vors futtun
Gõychea ambeant rupak ieta.
Gõycho ambo rosall kovit
Gõycho ambo Gõychem jivit.

A manga de Goa

A manga de Goa
Um pingo de mel,
Um bocado de oiro,
A Manga de Goa.

Um disco da Lua,
uma réstia de Sol,
a Manga de Goa.
Um bouquet de champôs
e de cravos rubros,
a Manga de Goa.

Mimosa
como a face de uma criança,
Voluptuosa
como os lábios de uma noiva,
nossa riqueza,
nosso orgulho,
a Manga de Goa.

Sob o verde véu,
como o seio de uma virgem
na flor dos anos,
entre tímido e ousado,
a Manga de Goa.

Um poema de sumo,
Uma lasca de alegria,
a Vida de Goa,
A Manga, pomo de oiro.

 (Traduzido por Carmo Azevedo) [ix]

Gõy mhojem

Gõy mhojem vhonkol koxi
Panchvea chuddean bhol’leli
Gõy mhojem rat nilli
Noketranim ful’leli.

Gõy mhojem bhurgem koxem
Dongramche manddiecher
Gõy mhojem mogre-kollo
Doriache talliecher.

Gõy mhollear chitr ek
Indradhannun rongoil’lem
Gõy mhollear sop’n ek
Ugddasani vinnlelem.

Gõy mhojem kuberachea
Vozranchi ukti kudd
Gõy mhollear jivitachea
Zoitachi zollti chudd.

Gõy mhollear pavl ek
Dortorechi vatt mezpi
Gõy mhollear tan ek
Vixvacho tal sodpi.

Gõy mhollear konvlli odd
Kallzantlea kavteachi
Gõy mhojem vhoddli zodd
Zolmachea punneachi.

Minha Goa

Minha Goa é como uma noiva
de pulseiras enfeitada.
Minha Goa é noite azul
de estrelas matizada.

Minha Goa é como criança
entre montes passeando.
Minha Goa é botão de flor
à tona do mar vogando.

Goa é um painel
pelo arco de Indra colorido.
Goa é um sonho
de memórias tecido.

Minha Goa é corpo aberto
de riqueza diamantina.
Goa é um facho ardente
duma vida vitorina.

Goa é uma pegada
que os caminhos vai medindo.
Goa é sede sempre em busca
do fundo do mundo infindo.

Goa é ânsia juvenil
do âmago do coração.
Grande é o mérito de quem tem
de em Goa nascer o condão.

(Traduzido por: Jorge de Abreu Noronha)[x]

Magnnem

Sompem utor, saral mon
Itlem mhaka mellchem dhon.

Tambddo patt, pachvem pan
Itlo mhaka puro man.

Svarthachi virchim kupam
Itli mhojer korchi krupa.

Mhaka lagun ful’lo ganv
Itlem mhaka puro nanv.

Oração

Palavra de leveza
e mente sem paleio,
é isto o que eu anseio
como única riqueza.

De rubro lenho um banquinho,
folha verde de banana,
nenhum outro preito espero
ao longo do meu caminho.

Que se esvaiam no horizonte
essas nuvens de ganância:
seja apenas esta a graça
a adornar a minha fronte.

Que a minha aldeia se orgulhe
dos meus feitos, do meu nome,
tanto basta para mim,
não almejo outro renome.

(Traduzido por Jorge de Abreu Noronha)

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[i] Madhav Borcar, ‘Manoharraiali Kovita’, in Atthara Jun (Panaji: Goa Konkani Akademi, 2007), p. 160.

[ii] Doutorou-se na Sorbonne, apresentando a tese intitulada ‘Image de l’Inde en France’, cf. Edith Noronha Melo Furtado, Les Oeuvres de Manohar Rai Sardessai: Point de Rencontre entre l’Inde e la France (Delhi: Goyal Publishers and Distributors Pvt Ltd, 2014).

[iii] De entre outros poemas, escreveu ‘Hi Lokshay’ [Esta democracia], ‘Hundranchi sabha’ [Assembleia de Ratos], que ora fazem parte da antologia Atthara Jun, op.cit.

[iv] Entre outros, ‘Zaiat Zage’ e ‘Ailo Poll’ [Lá vem o Escrutínio].

[v] Entre outros, ‘Ball Jezu Zolmolo’ [Nasceu o Menino Jesus], ‘Khursachi Kanni’ [A História da Cruz], ‘Mhozo Jezu ailo porot’ [Voltou o meu Jesus], ‘Mari Matêk Ballok Zala’ [Teve um Menino a Mãe Maria]; e ainda em homenagem ao S. José Vaz: ‘Khõi Pavlo? Khõicho tum?’ [Donde vens? P’ra onde vais?]. Cf. My Song – Ma Chanson – O meu Canto (Goa: 2008).

[vi] Da escolha de Maya SarDessai, filha do Poeta, a quem agradeço; tirados da colectânea My Song – Ma Chanson – O meu Canto, op. cit.

[vii] Atribuído por Bakibab Borcar, outro gigante da poesia concani.

[viii] Título que lhe foi conferido no concurso de poesia concani inédita, realizado no Clube Nacional, de Pangim, em 2 de janeiro de 1966 (Cf. ‘Prefácio’ de Maria Aurora Couto, ao livro My Song – Ma Chanson – O meu Canto, op. cit., p. 119).

[ix] Carmo Azevedo (1912-2003) foi médico, jornalista e investigador de história e arte goesas. [x] Jorge de Abreu Noronha (1930-2007), um goês radicado em Portugal, foi um dos principais promotores da ideia de publicar o volume trilíngue (Minha Canção – Ma Chanson – O meu Canto) dos poemas de SarDessai.

Publicado na Revista da Casa de Goa, Serie II, No. 16, Maio-Junho de 2022, pp 38-41. II Série – N.º 16 – Maio/Junho de 2022 – Casa de Goa